AS MARCAS
QUE FICAM...
Quando
completamos quinze anos queremos abraçar o mundo.
Rodopiar,
dançar, pular.
A vida é uma
festa! Um sonho...
Para mim foi
um pesadelo e vou contar porque.
Havia
nascido com um defeito congênito que se manifestou quando atingi o ápice do
crescimento.
Era uma
atleta então e me preparava para um campeonato. Adorava atletismo e praticava
saltos em altura. Cada vez conseguia aumentar um pouquinho mais a minha marca e
estava certa de que naquele ano teria um ótimo desempenho. Pois bem, num de
meus saltos aconteceu algo desagradável, pois caí sentindo uma intensa dor nos
dois pés.
A treinadora
preocupou-se e deu um jeito de me levar para casa. Minha mãe me levou a um
médico: um clínico geral. Este me encaminhou para um ortopedista e fui levada
para outra cidade. Quando lá cheguei, ele me examinou, fez muitos exames e deu
o diagnóstico.
Falou
encarando-me e nunca vou esquecer seus olhos atrás das lentes dos óculos. Era
duro de ouvir aquilo, como era duro, meu Deus! Eu teria que fazer quatro
cirurgias urgentemente, sendo duas em cada pé. Disse-me que já tinha tido a
oportunidade de fazer uma cirurgia semelhante nos Estados Unidos e que no
Brasil seria inédita. E o pior de tudo era que se eu não fosse operada com a
maior urgência estaria condenada a não andar mais.
As cirurgias
seriam delicadíssimas porque meus nervos precisavam ser alongados.
Bem, tratou
também com minha mãe do valor a ser cobrado por todo o serviço. Era bem alto e
meus pais não dispunham de recursos financeiros na ocasião, nem tínhamos
convênios médicos.
Então fui
para um hospital escola e aprendi a conhecer o que é maior que a dor.
Foi um tempo
tão difícil, que palavras jamais conseguiriam expressar. Por um tempo fiquei
presa ao leito e à cadeira de rodas. Mais de dois anos. O sofrimento era
intenso, não só as dores terríveis, como o meu emocional que ficou lastimável.
Eu tinha que
passar por tudo aquilo?
Existe um
livro onde está escrito que uma menina deslumbrada com o mundo necessita
experimentar tamanha prova?
Quem pode
responder?
Depois de
tantas tentativas precisei recorrer novamente ao primeiro médico que havia me
visto, já que não conseguia encontrar melhora onde estava me tratando. Este,
depois de todo aquele tempo passado, disse que poderia fazer as duas cirurgias
que ainda faltavam, mas que já não podia mais garantir nada. Se eu quisesse
correr os riscos... Já me aproximava dos dezoito anos...
Fui
submetida a mais duas cirurgias e teria que aguardar pacientemente o resultado
delas...
Só sei que
tudo passou. Superei! Sei que depois daqueles anos eu voltei a andar e naquele
dia eu fiz uma promessa: que nunca mais ficaria caída, que nada na vida me
abateria a ponto de me fazer desistir de viver.
Cumpri a
promessa feita a mim mesma, a um “ser” que é maior que eu, imensuravelmente
maior que tudo. E segui assim, levantando depois de cada tombo, sacudindo a
poeira e abrindo meu sorriso para recomeçar tudo de novo.
As marcas
ficam?
Num canto da
gente elas ficam sim.
Nem que
sejam para nos servir de farol quando as luzes todas começam a se apagar.
Quando me
vejo desistindo de algum sonho eu lembro da moça que fui. Lembro do lugar, do
céu azul daquela manhã. Porque foi numa manhã que eu voltei a andar. Larguei as
muletas de lado e falei que eu conseguiria.
Caminhei com
duas pernas engessadas diante de minha irmã e minha mãe que choravam e riam de
felicidade vendo-me reaprendendo a andar.
Desde então
minha vida se tornou uma longa caminhada e as pedras do caminho passaram a não
significar quase nada.
Aprendi a
valorizar a minha jornada.
sonia delsin